Desconfinar na
nova Bauhaus
A Bauhaus continuaria a
influenciar o processo criativo em vários pontos do planeta, do espaço
doméstico à estrutura das grandes cidades. E hoje encontramos o pensamento da
Bauhaus à nossa volta, em peças Apple ou Ikea.
A Comissão Europeia
lançou uma open call de ideias sustentáveis, acessíveis e inclusivas, propondo
novas ligações das artes às ciências. Nova Bauhaus Europeia é o nome da
iniciativa, homenageando a escola onde se ensinou Modernismo, da pintura à
arquitetura. Mas o que teve esta escola de tão extraordinário?
Lembrar Bauhaus é lembrar
professores e alunos que lançaram um olhar conjunto, senão mesmo transversal,
de várias disciplinas entre a arte e a técnica. É lembrar os ensaios
tipográficos de László Moholy-Nagy; o misticismo da pintura de Wassily
Kandinsky ou os trajes de Oskar Schlemmer, que décadas mais tarde inspirariam o
imaginário de David Bowie. E lembrar ainda a diversidade numa só escola: Hannes
Meyer, comunista convicto, desenharia edifícios na União Soviética, enquanto
Mies Van der Rohe levou o legado de Bauhaus para a skyline de Chicago.
Em 1923, acorreram à
longínqua cidade de Weimar visitantes de toda a Europa. Falava-se da exposição
de trabalhos de Bauhaus, numa casa desenhada e construída para o efeito. Mas a
exposição foi fonte de controvérsia: artesãos locais sentiram-se excluídos de
um desenho marcadamente tecnicista, orientado para a produção industrial.
Também a vida académica foi alvo de contestação, entre alunos quase em paridade
de género: havia festas excêntricas e trajes de dança inéditos, 45 anos antes
do Maio de 68.
As críticas, num ambiente
político cada vez mais crispado e hostil à diversidade, ditaram a mudança de
cidade e de instalações e, finalmente, o encerramento definitivo da escola. Mas
Bauhaus continuaria a influenciar o processo criativo em vários pontos do
planeta, do espaço doméstico à estrutura das grandes cidades. E hoje
encontramos o pensamento de Bauhaus à nossa volta, em peças Apple ou Ikea.
As lições de Bauhaus
ecoam no quotidiano, ao trazer o legado das escolas de artes e ofícios para a
produção industrial, na arte e na técnica, e não apenas nos processos manuais
que então se ensinavam em Belas Artes. Mas Walter Gropius, o primeiro diretor
da escola, repensou o ensino numa época em que a energia elétrica automatizava
processos industriais. Faltaria assistir às futuras descobertas, da computação
e da internet à inteligência artificial. Que propostas traria a Bauhaus nos
ciclos produtivos mais recentes, que marcam o mundo atual?
Hoje em dia, a capacidade
de intervir num mundo em transformação é muito maior - de tal modo que, como
disse a arquiteta Beatriz Colomina, a Humanidade pode já estar a desenhar a sua
própria extinção. Imaginar a Bauhaus na atualidade é também imaginar o programa
académico e as disciplinas a ensinar. Se em Bauhaus havia oficinas de materiais
como cerâmica, madeira ou metal, que oficinas poderiam existir no presente? O
desafio seria imenso porque, mais do que ensinar ferramentas úteis na arte e na
técnica, trata-se de dar a cada aluno espaço para a experimentação, até criar
uma relação própria com os materiais que o rodeiam, na dança ou no desenho.
Essa relação, sensível e consciente, deve estender-se ao espaço, cada vez
maior, que a intervenção humana ocupa no planeta.
A nova Bauhaus, proposta
pela Comissão Europeia, parece ser diferente da primeira. Com o pendor
ambiental da nova iniciativa, talvez estejamos perante uma forma segue o
planeta. Se há ciclos naturais em risco, algo inédito na História recente da
Humanidade, também há uma extinção em massa em curso que, ao ameaçar tantas
formas de vida, irá pôr em causa o nosso estilo de vida. Mas também se
multiplicaram as possibilidades tecnológicas para resolver problemas, no
despertar da consciência cívica e ambiental.
Mais do que um manifesto
de vanguarda, a Bauhaus foi uma escola. Mais tarde, mesmo com a escola
desaparecida das formas originais, as suas ideias prosperaram. E hoje, tantas
vagas tecnológicas depois e com a superfície terrestre tão alterada, alguns
pressupostos podem ser revistos. Que o concurso de ideias da Comissão Europeia
seja uma oportunidade para repensarmos, em sociedade, a nossa relação com o
planeta, a tecnologia e a relação entre as diferentes disciplinas do
conhecimento.
Artigo de Tomás Reis em Público.pt
(Arquitecto que usa o desenho como ferramenta de trabalho. Também nos
cadernos de viagem guarda as memórias, escreve e usa aguarelas.)
https://www.publico.pt/2021/02/19/p3/cronica/desconfinar-nova-bauhaus-1950436?fbclid=IwAR3_OSL2yYNijydAEN7aEZrIY56QiZDaxgn_xaqj2x0cx368e4chZyIoPGE
Obrigado por partilhar aqui este artigo. è deveras pertinente, de leitura obrigatória para os nossos alunos de Artes Visuais.
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